Apartar ou Optar
Cristovam Buarque(*)
É constrangedor acompanhar a troca de acusações entre dois ministros. Reinhold Stephanes, da Agricultura, defendendo o aumento da produção agrícola, e Carlos Minc, ministro do Meio Ambiente, a preservação das florestas. Os dois têm razão, o governo é que não tem. Cada um defende os objetivos de sua respectiva pasta, porque o governo não definiu uma linha de ação à qual os ministros fiquem submetidos. É preocupante ver o governo determinar que uma ministra aparte os que estão brigando, no lugar de fazer uma opção sobre quem tem razão. Como se o problema estivesse no desentendimento pessoal e não no choque conceitual. O problema não é apartar duas visões diferentes, mas formular uma visão e optar por ela.
O que está em jogo não é fazer que os dois ministros se calem, mas determinar a escolha, entre concepções diferentes, para definir uma linha que oriente o desenvolvimento que o País precisa seguir. O que deve estar em debate não são as posições dos dois ministros, mas a posição do governo e do País para seu futuro: manter o velho padrão de desenvolvimento a qualquer custo, ou escolher um modelo com base na conservação de nosso patrimônio natural e na justiça social.
Aparentemente esta escolha não vai acontecer, porque o atual governo é de "apartar", não de "optar". O estilo do presidente Lula é de apartar as diferenças que existem nos diversos grupos sociais e políticos nacionais, procurando e conseguindo aglutinar pela omissão da escolha. No mesmo momento do embate entre Agricultura e Meio Ambiente, temos a disputa entre o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, e o ministro Mangabeira Unger, encarregado de formular idéias para o futuro do Brasil, entre manutenção da assistência ou saídas estruturais para a pobreza. Na ótica da assistência, a Bolsa Família é um instrumento generoso e correto para reduzir a fome e a miséria; na ótica do futuro, é necessário um instrumento estrutural ¿ a educação ¿ que permita reduzir a pobreza. A próxima contenda a ser apartada pelo presidente será entre o Ministro Lupi, do Trabalho, que corretamente defende que o dinheiro público seja usado para conservar empreg o e os empresários que consideram um direito receber dinheiro público, sem compromisso público.
O que caracteriza o Presidente Lula é sua capacidade de "apartar" as diferentes opiniões, juntando-as em um silêncio reverencial por parte dos intelectuais, na submissão dos sindicatos e dos empresários; no acomodamento dos estudantes e da juventude; na formação de pacotes partidários tão amplos que ele fica sem oposição, porque mesmo quando esta vence, ele vence também. No lugar de serem as forças da "opção", Lula e o PT são as forças da aglutinação ao "apartar" cada grupo e uni-los por meio da interminável conciliação.
Por um lado, isto traz tranquilidade social ao País. Basta comparar nossa situação com os vizinhos, onde os presidentes "optaram" e dividiram as sociedades de seus países. Mas, esta aglutinação leva a um acomodamento que, por sua vez, leva ao adiamento do enfrentamento de nossos problemas. Em nome de ficar no poder e ganhar novas eleições, o governo posterga as "opções" que o País precisa para construir o futuro. Em nome de manter-se no cargo, os ministros calam, como se não houvesse um problema a ser enfrentado. Em nome de não romper alianças, o presidente tolera as discordâncias públicas entre seus ministros.
A militância do PT tinha orgulho do lema "optei", mas ao chegar ao poder escolheu o "apartei", que caracteriza o governo Lula. Não sabemos o preço que o Brasil pagará por adiar por mais tempo a opção que deverá fazer, nem quanto vai custar nosso vício histórico de sempre apartar, acomodar, para não optar.
Fomos o último país a abolir a escravidão, seremos o último a fazer as opções necessárias para a construção de um desenvolvimento sustentável e justo. Certamente, será depois dos EUA que já começaram a fazer opções com o governo Obama. No Brasil, o presidente Lula tem todas as condições de ser um presidente da opção, ao mesmo tempo que tem a competência da aglutinação.
Cristovam Buarque é professor da UnB e senador pelo PDT-DF



Apesar de toda a crise, os EUA são um país com um rumo muito mais definido do que o Brasil. Mesmo assim, o novo presidente Obama tomou posse afirmando que seu país precisa de uma mudança de rumo. No Brasil, entretanto, de Collor a Lula foram cinco mandatos de um mesmo projeto nacional, sem qualquer ideia de uma reorientação de rumo. Todos demonstraram algumas diferenças de personalidade, ênfase e estilo, mas nenhuma substancial do ponto de vista dos rumos do País. Um mais generoso que outro nos aspectos sociais, um menos radical que outro na redução do papel do Estado, um mais competente que outro no combate à inflação. Mas cinco governos sem qualquer inflexão de rumo, nenhum futuro alternativo sendo construído.
O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) decidiu fazer uma sugestão ousada a José Sarney (PMDB-AP). 
