sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Fuzilamento ou Embrutecimento - Cristóvam Buarque

Em sua autobiografia, o escritor russo Victor Serge escreveu que nos idos de 1933, na URSS stalinista, "não havia um único adulto pensante que alguma vez não tenha achado que podia ser fuzilado". Neste 2008, no Brasil, não existe um único adulto pensante que alguma vez não tenha achado que está embrutecido, moral ou intelectualmente, ou ambos. Perdemos a capacidade de sentir e sofrer com o que se passa ao redor, ainda mais de usar o sentimento para lutar por mudanças na realidade.

Embrutecemo-nos diante da desigualdade, da corrupção, da incoerência na política, do atraso educacional, sobretudo com da violência generalizada. E ficamos sem entender o porquê destas deficiências, apesar do crescimento, da democracia, da eleição de partidos e de líderes portadores de esperança.

Até algum tempo atrás, sentíamos e tínhamos propostas: democracia, desenvolvimento, socialismo. O embrutecimento não ocorria porque explicávamos, propúnhamos e a esperança nos aliviava.

Depois de termos conseguido desenvolver e fazer do Brasil uma potência mundial na economia, termos eleito um presidente vindo das camadas mais pobres, com um discurso radicalmente diferente de todos os anteriores, substituindo outro que também vinha da esquerda, só nos resta o embrutecimento intelectual ao olharmos ao redor e percebermos que nada mudou na estrutura social do País. Continua a exclusão social, a violência urbana, a instabilidade financeira e fiscal. Ainda mais grave, faltam bandeiras, os partidos ficaram iguais, os políticos também.

Quem não se sentiu bruto uma outra vez ou quase sempre ao olhar de dentro do ar-condicionado do carro para os meninos pobres perdidos, pedindo esmolas, cheirando cola, ou simplesmente deitados na calçada ao lado dos pais? Salvo alguns que nem ao menos sentem, não há quem não se sinta bruto uma ou outra vez ao saber que, no Brasil, 60 crianças abandonam a escola a cada minuto do ano letivo. Que apesar de, felizmente, haver políticas públicas, de transferência de pequenas rendas, a concentração de renda não muda, a desigualdade não diminui e a pobreza não reduz a níveis que aliviem nossa brutalidade. O sentimento de embrutecimento vem da aceitação do noticiário diário sobre queima das florestas, morte de jovens, consumo de drogas, miséria, atraso, corrupção.

Ao lado do embrutecimento moral que nos permite viver na sociedade brasileira como ela é, há um embrutecimento intelectual que nos impede de entender a realidade ou nos faz usar uma lógica esdrúxula toda vez que tomamos decisões. Não conseguimos entender a nossa estrutura de classes, tanto que inventamos o conceito de "carros populares"; nem a estrutura de nossa economia, tanto que falamos em meio ambiente e gastamos bilhões de reais do setor público para aumentar as vendas de automóveis; nem o funcionamento de nosso sistema judiciário, tanto que temos surpresas com as prisões de pobres que roubam manteiga e a libertação de ricos que roubam bilhões; não entendemos mais como funciona a política, tanto que as posições de um dia não valem no outro, o prometido na eleição não vale no governo.

O embrutecimento termina nos dando saudades do tempo descrito por Victor Serge. Havia naquele tempo, pelo menos, o sentimento heróico do risco do fuzilamento. Talvez a democracia seja nossa única conquista, livrando-nos dos fuzilamentos, mesmo assim, não há um adulto pensante neste País que alguma vez não tenha achado que pode ser assaltado com todas suas conseqüências, inclusive o fuzilamento por policiais perseguindo bandidos ou por balas perdidas entre eles.

Difícil escolher entre o risco do fuzilamento ou o risco do embrutecimento. O primeiro tira a vida de um ser humano, o outro a dignidade de ser humano. O primeiro exige coragem física, o segundo rouba a coragem intelectual e moral.
Que 2009 chegue sem o risco e sem o embrutecimento. E que o fim do embrutecimento nos dê a lucidez para entender a realidade e formularmos alternativas, e uma ética que nos faça ter coragem intelectual e moral.

Que 2009 chegue sem o risco e sem o embrutecimento. E que o fim do embrutecimento nos dê a lucidez para entender a realidade e formularmos alternativas, e uma ética que nos faça ter coragem intelectual e moral.

Cristovam Buarque é professor e senador pelo PDT-DF

Mudança Necessária - Sen, Cristóvam Buarque


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27-Jan-2009
Apesar de toda a crise, os EUA são um país com um rumo muito mais definido do que o Brasil. Mesmo assim, o novo presidente Obama tomou posse afirmando que seu país precisa de uma mudança de rumo. No Brasil, entretanto, de Collor a Lula foram cinco mandatos de um mesmo projeto nacional, sem qualquer ideia de uma reorientação de rumo. Todos demonstraram algumas diferenças de personalidade, ênfase e estilo, mas nenhuma substancial do ponto de vista dos rumos do País. Um mais generoso que outro nos aspectos sociais, um menos radical que outro na redução do papel do Estado, um mais competente que outro no combate à inflação. Mas cinco governos sem qualquer inflexão de rumo, nenhum futuro alternativo sendo construído.

É como se no Brasil o processo político da ditadura, tivesse sido substituído por um conjunto de sublegendas de um mesmo invisível partido que domina o processo político da democracia. O povo escolhe o próximo presidente de qualquer partido, desde que estes partidos sejam apenas sublegendas do Sistema.

Enquanto o PT propunha uma inflexão de rumo, o sistema não aceitava Lula, como não aceitou Brizola. Em 2006, não havia diferença substancial nos programas dos dois grandes candidatos à Presidência da República e não haverá diferença entre os programas que se prevê para 2010, nenhuma inflexão em qualquer dos setores da sociedade brasileira.

A observação dos resultados dos últimos anos mostra grandes acertos na continuidade das bases econômicas, na consolidação da democracia, na generosidade das políticas assistenciais; mas indica que perdemos terreno em um mundo global baseado na economia do conhecimento; que nossas cidades estão se degradando; a floresta amazônica sendo desruída; a violência crescendo; a desigualdade ¿ não apenas de renda, mas de qualidade de vida ¿ se ampliando. A economia se faz mais vulnerável às tendências de médio e longo prazos e o imediatismo e o corporativismo dominam cada vez mais as decisões políticas, agravando a perda do sentimento de pátria e nação.

O Brasil precisa de uma inflexão que mantenha os acertos do passado, na responsabilidade fiscal, na existência de políticas sociais, na garantia das regras democráticas, na abertura comercial, na construção da infra-estrutura.

Esta inflexão deve fazer com que não apenas ajudemos a indústria automobilística a vender mais automóveis, mas também que ela mude o perfil de seu produto; a inflexão deve tirar o Brasil da vergonhosa lentidão como enfrenta o problema educacional e ir além das Cotas, Fundef, Fundeb, Piso Salarial. É preciso fazer uma revolução que provoque o salto para em poucos anos a sociedade brasileira ser toda ela educada, criando a base para o uncionamento de diversos importantes centros científicos e tecnológicos de padrão mundial em todas as áreas; deve reorientar os programas baseados em bolsas-assistências para programas de transformação social mesmo que usando bolsas-transformadoras - como a bolsa-escola - ; ir além das pequenas avaliações do impacto ambiental e implantar um modelo econômico que cresça em equilíbrio com a natureza.

Para conseguir uma inflexão no Brasil é preciso uma inflexão na maneira como são escolhidos os candidatos: criar um turno anterior ao primeiro, as prévias; fazer com que o primeiro turno seja respeitado e não desconsiderado pela mídia que, antes mesmo das eleições, escolhe aqueles que irão ao segundo turno; e chegar ao segundo turno com propostas alternativas e não apenas a repetição do mesmo, em sublegendas do sistema.

Cristovam sugere a Sarney que se retire da disputa

30/01/2009

Cristovam sugere a Sarney que se retire da disputa

Sérgio Lima/Folha
O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) decidiu fazer uma sugestão ousada a José Sarney (PMDB-AP).

Para Cristovam, Sarney “se engrandeceria” se abandonasse a disputa pela presidência do Senado, em nome da “unidade”.

São quatro os argumentos do senador:

1. “O apoio do PSDB tornou a candidatura de Tião Viana (PT-AC) viável. Portanto, Sarney pode perder...”

“...Mas, ainda que não perca, seria muito ruim para o Sarney, a essa altura da biografia dele, ganhar com um Senado dividido...”

“...Para quem queria ser o candidato da unanimidade, é péssimo”.

2. Vantagem: “Nada tenho de pessoal contra o Sarney. Ao contrário. Teve papel respeitável no final do regime militar. No governo, portou-se corretamente durante os cinco anos...”

“...Por isso mesmo, acredito que Sarney se engrandeceria se dissesse: Olha, vamos superar esse negócio de eleição, vamos ter um candidato de unidade...”

“...E o candidato que representa essa unidade é Tião Viana, que se lançou a bastante tempo, tem agora chances reais de vitória e representa o novo no Senado”.

3. “Da forma como a candidatura dele evoluiu, Tião Viana não vai ficar devendo nada ao Planalto. Será um presidente independente...”

“...Tião tem a chance de vencer a despeito do Planalto e graças ao apoio PSDB, partido de oposição...”

“...Foram os votos do PSDB e os outros que estão vindo por conta desse apoio que tornaram viável a vitória de Tião Viana”.

4. “A maneira como o Sarney se apresentou dá a impressão de que sua eleição traria de volta pessoas que o povo não quer ver na direção do Senado...”

“...Refiro-me a Renan Calheiros. A eleição de Sarney soaria como uma terceira absolvição de Renan. E isso traria um impacto negativo junto à opinião pública”.

Cristovam reconhece que é “improvável” que Sarney lhe dê ouvidos. “Mas, realisticamente, parece cada vez mais provável que Tião pode vencer”.